sábado, 17 de julho de 2010

Petra, Jordânia

Primeiro pensei para com os meus botões que, ali, em Petra, Jordânia, só os tinha na calças de ganga Salsa, talvez se vivesse no meio deserto como eles, sem o mar frio de azul de Portugal ou a verdejante montanha do Gerês, ali, naquele lugar onde as plantas se matam para sobreviverem, ali, se ali vivesse, talvez como eles me virasse a escavar as pedras arenosas com um pau, com um simples osso de um ser outrora complexo, com unhas e dentes, por puro entretimento, para que os dias passassem mais rápido, para que o sol se escondesse e se recusasse a levantar com medo de ver as vergonhas que durante os meus dias tinha inscrito nas paredes para sempre. Como estava a dizer, se ali em Petra vivesse, também esgravataria as paredes com a raiva de quem não tem o prazer de ver o florir espontâneo do lilás, do vermelho, do rosa, do azul, do verde, do laranja, pensei, para com os meus botões. Depois, uns dois quilómetros mais à frente, quando cheguei a Al-Khazneh, o tesouro de Petra, vi que ali se fez muito mais do que passar tempo, muito mais do que entretimento, ali fez-se arte, escultura, literatura, arquitectura e poesia, em pedra, mole, é certo, mas pedra, para todo o sempre.
Juntei-me a um grupo daqueles com Guia para não entrar em branco em tão rico espaço. Ainda mal tinha dado dois passos e ouvi as palavras “que cheiro!”. Alto! pensei, há aqui portugueses na molhada. Porquê? Porque “que cheiro”, com aquela entoação de Lisboa, só existe em português, e nem os espanhóis o conseguem imitar. Cheirei-me e ainda não cheirava a cavalo. É portuguesa, perguntei. Sou sim, respondeu. É brasileiro? Uma pessoa não se pode dar ao luxo de ser alto e ter sotaque de Guimarães, e deixa logo de ser português. Não, respondo, sou português de Guimarães. A Ana Paula, que, como boa portuguesa, fazia tudo para trocar as voltas ao guia, lá se apresentou e lá me foi explicando, ela por ela, tintim por tintim, a circunstância de ali nos encontrarmos. Cheguei a acompanhar o grupo por uma boa hora, até que, por entre informações históricas decoradas, o guia me desiludiu sem retorno, com “aqui, no parque, temos 194 cavalos, 383 burros e 231 camelos ao serviço dos visitantes. Saí imediatamente dali. Como poderia ele saber que entretanto não teria dado um chilique a uma das águas debaixo daquele sol ardente!? Saí rápido porque estava com receio que ele arriscasse o ridículo de dizer quantas unhas se partiram a escavar, por exemplo, a Tumba do Palácio. Segui sozinho e não me arrependi, mas fiquei consciente de que há viagem que não se devem fazer sozinho, por meras questões logísticas. Petra é uma delas. Quantas vezes perdi um bom momento por não ter a quem pedir para me tirar uma foto ou, porque ali não se encontrava uma pedra para poisar a câmara em posição de disparo automático?
No meio da viagem, ali algures onde os monumentos gregos começam (Qasr al-Bint), por volta das duas e um quarto da tarde, hora da reza na Jordânia, comecei a ouvir entoações vindas das montanhas de pedra. Não gosto das rezas árabes, rais me partam! São uma espécie de choro de quem acabou de descobrir que a razão da existência não tem razão nenhuma, e muito menos devoção, apenas ocasião e acaso. Segui em frente e fui vendo tumbas de que já nem me lembro do nome, passei pelo Teatro (soberbo) e pela rua das colunas (alinhadas e com uma imponência relativa), e comecei a subida que haveria de me tomar mais uma hora para chegar ao lugar do Sacrifício. A viagem de regresso fez-se com a pressa de quem tem calos nos pés e de quem precisa urgentemente de repor as águas transpiradas no nível certo. Eram 5 da tarde e, mais morto que vivo, estava a caminho do Mar Morto, para o que desse e viesse. Para trás ficaram 5 horas de memórias e deslumbre pelo que o ser humano, quando quer, consegue criar.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Riyadh - WYSIWYG

What You See Is What You Get, como todos sabemos, é uma verdade apenas possível nos editores e processadores de texto, tipo MsWord ou outros. No mundo real, WYSIEWYWG, What You See Is Exactly What You Won’t Get. Quantas vezes me sinto enganado pelo vulto com bons cabelos e de rabo jeitoso que me faz atropelar as pessoas que passeiam carteiras vazias no centro comercial para, em tempo, lhe ver qual o seu aspecto de frente? Quantas vezes não somos enganados pelas calças Levis justinhas, misteres em encobrir celulites visíveis a olho nu da mesma posição onde se encontra o telescópio hubble?
Pois é, este acrónimo em inglês tentando dizer que hoje a tecnologia permite que tudo o que vemos no ecrã seja tudo o que vamos ver impresso na impressora, associado ao facto de me encontrar desterrado (expatriado é mais bonito) em Riyadh, fez-me pensar que no mundo real tudo o que vemos não será por certo tudo aquilo de que iremos desfrutar. A experiência é a base de todo o método científico, por isso aqui o afirmo: WYSIEWYWG.
Em Riyadh, Arábia Saudita, este WYSIEWYWG é muito mais provável que em Portugal ou noutro país mais ocidental, como iremos ver. Se em Portugal as pessoas mais atentas estão preparadas para dar o devido desconto à mentira Levis ou para parar o movimento criativo que caracteriza quase todos os cérebros masculinos e mesmo para as levar à praia e efectivar o teste da areia dias antes dos finalmentes, em Riyadh isso não acontece. Aqui veste-se de preto da cabeça aos pés, quase nem os olhinhos dá para ver. Não há vultos às cores. Esqueçam o laranja ou o vermelho, o azul ou o verde alface. É preto e pronto, nelas, ainda que a temperatura se eleve aos 55 graus célsius, neles, é branco mais branco não há.
Ora como consegue um homem orientar-se nestes ambientes, e desculpem-me usar de uma expressão de todo despropositada, sem que coma gato por lebre?
Tenho colegas que olham para as mãos como o elemento mais significativo na tomada de decisão, outros são os olhos, há outros ainda que são os peitos ou o rabo, há ainda quem dê preferência aos cabelos. Aqui não há nada disso. Há burcas todas elas pretas onde não se vislumbra nada que ajude a imaginação a criar. Esqueçam a cena do fio dental a saltar fora da mentirita Levis, esqueçam o vestido branco quase transparente de onde se vê de que forma o triângulo assenta no paralelepípedo, esqueçam a probabilidade de o cai-cai cair mesmo. Nada. Só se vê preto. Até as mãos são revestidas de preto, fino. Nos centros comerciais passeio-me sempre com aquela sensação quase feliz de que estão a acontecer funerais de gente importante todos os dias.
Enfim, enquanto por aqui me veraneio vou formalizando alguns esquemas para perceber do meio de tanta cor preta onde estão as gajas boas, para, enfim, distinguir o trigo do joio. Os sapatos rasos ou de salto são o item mais importante e, logo a seguir, vêm os sacos que transportam a tiracolo. Não há mais nada para avaliar o que ajuda à decisão. São apenas 2 itens que nos ajudam de alguma forma a distinguir as boas das más, as maneirinhas das desproporcionadas, as bonitinhas das feiinhas, as apetitosas das outras que nos passam ao lado. Embora confie plenamente na aferição Sapato/Saco mesmo assim aqui não arrisco nem um milímetro! Ninguém me leva sem um verdadeiro e formal teste da areia (Até porque não quero ficar sem as mãozinhas).
Para finalizar, pode também generalizar-se a seguinte verdade: O Brasil é muito mais WYSIWYG do que Portugal não só porque há lá mais areia mas porque ali nada se esconde, embora existam por todo o mundo os mesmos meios para tudo se fingir.