terça-feira, 18 de setembro de 2012

A TAP


(Para que a coisa não fique dúbia e para que se dê o necessário desconto a um possível toque emocional, a TAP, Transportadora Aérea Portuguesa,  presenteou-me com mais um upgrade para executiva no meu último voo de GVA para OPO)

A TAP, esta companhia de aviação portuguesa que se encontra entre as mais seguras do mundo,  e que está em “oferta  pública de venda” por este nosso governo, tem melhorado a olhos vistos nos tempos mais recentes. Esta melhoria é evidente não só no cumprimento dos horários como na qualidade dos produtos e serviços a bordo.  Podem até os mais puristas e viajados virem dizer que a qualidade é a mesma que eu até manietarei a cabeça para não admitir a discordância, agora, não me venham dizer que não há uma diferença substancial no sorriso! As tripulações estão muito mais simpáticas e este factor está para a teoria da ordem e do bem estar como o bater das asas de uma borboleta está para a teoria do caos.  Faz toda a diferença. Provoca uma reacção em cadeia em direcção da felicidade, fluxo que até os físicos mais atentos têm dificuldade em justificar e os químicos um dia irão formalizar como a substância base do elixir da juventude.
Entramos no avião e somos recebidos com um sorriso de olhos e cabelos escuros, um salto alto azulado a condizer com um o traje também ele de um azul quebrado suavemente por umas listas vermelhas moldando um busto seguro que nos exige e ao mesmo tempo proíbe um abraço, seguindo em direcção a umas lindas unhas de um rosa a querer ser vermelho, tudo conjugado num momento de pecado e luxúria, digo eu, um momento que deve ser de um prazer imenso e que a vida às vezes decide oferecer a alguns, poucos, felizardos, e por um enérgico bom-dia de uma áurea branquíssima, mesmo que a noite estivesse já à espreita, um bom-dia de nariz que com toda a propriedade se nos apresenta empinado, de um empinado amistoso e puro (por causa da aura branca, pode ser?), sendo que neste dom da propriedade basearei todos os meus argumentos com quem ouse debater comigo a inegável melhoria dos serviços TAP.
Estava já o embarque finalizado e de nariz empinado e puro foi-nos oferecido jornais e revistas de igual qualidade. A apresentação das medidas de segurança foi feita com a alegria de quem se encontra em perfeita harmonia com as leis da vida, da gravidade e da termodinâmica, para logo logo atingirmos a velocidade cruzeiro e passarmos a apreciar a parte mais material do serviço uma vez que da imaterial, dos azuis e dos vermelhos e da felicidade das fardas e das sardas, tendo dito fica quase tudo por dizer.
Ainda o Público ia na página das desgraças e já estava a ser distribuído o menu de bordo com o respectivo aperitivo. Ia pedir um gin tónico fachavor, mas porque a acção gera reacção tive que pedir um gin tónico se faz favor e terminei com uma expressão de um sorriso suave, sem nicotina. Pedir um gin tónico fachavor seria o mesmo que Beethoven meter um Lá seguido de um Lá tristemente rebentando com toda a sinfonia, a Quinta, vá lá. Lá bebi o gin tónico nas calmas para logo de seguida ser questionado se queria um prato de peixe ou de outra coisa qualquer que tive vergonha em admitir desconhecer. Como sou um cliente de risco moderado, julga a minha gestora de conta na sua inocência, apostei no peixe, no bacalhau, acompanhado por um branco do Douro. O menu, bem recheado, começava com um paté de Foie Gras com compota de pêra, o bacalhau vinha com molho de especiarias e a Pintada quente de escabeche, o outro prato que decidi não experimentar pois se há coisas que não gosto, embora admire que os consegue promover, é um escabeche, vinha com batatas salteadas, um pudim de laranja com anis para a sobremesa, café e chá, e,  ainda “lamentamos caso a escolha fique condicionada por anterior opção de outros passageiros”, tudo isto saído das mãos de Vitor Sobral, consultor gastronómico e que em inglês, com mais pinta, se diz: Gourmet Consultant.
Há, no entretanto, um reparo a fazer...
Quando se viaja com a TAP, que como já disse é uma das companhias de transportes mais seguras do mundo, não se arrisca nadinha. Como sou um fervoroso adepto do facto de que a vida sem risco é um vida sem sabor, que ao contrário de Gil Vicente prefiro um cavalo que me derrube do que um asno que me leve, uma égua que me derrube para ser mais claro, decidi-me pelo bacalhau que, para azar dos diabos e do sabor da minha vida, vinha sem espinhas. E não há nada mais desconfortável do que uma viagem com tanto conforto e tão pouco risco.