domingo, 27 de fevereiro de 2011

Oman - Muscat


(Este texto está orgulhosamente desconforme com o novo Acordo Ortográfico)

100 anos depois de Vasco da Gama, Vasquinho para os amigos da altura, ter dobrado as tormentas mais o seu cabo sem se ter deixado enganar pela falsidade da baía falsa (False Bay) sul-africana, e, muito menos, deslumbrar pela Table Mountain ou a pela Lion’s Head, outros portugueses ali passaram vendo nessas montanhas outros bichos muito mais interessantes e imaginativos e visando outras localidades mais distantes, usando barcos movidos pelo vento. Foi, provavelmente, por serem tão bons na arte de velejar, com vento contra ou a favor, que não lhes foi possível antever que anos mais tarde, muitos anos mais tarde, debaixo daqueles solos de Oman apareceria um ouro de cor preta que hoje outros manipulam e especulam, a seu bel-prazer, arrastando-nos a todos para um poço sem fundo.

É emocionante imaginar o Tuga a entrar Muscat adentro com as armas e os barões assinalados e com um jogo especial de cintura, uma espécie de kong fu que se baseava muito mais na arte de comercializar do que de invadir e conquistar, tomar aquela terra que tem tanto de bonita como de estéril e começar a empresa de erigir tamanhas fortalezas, colorindo a região de um verde que só o Minho de Portugal e as suas gentes o podem reconhecer.

Muscat esteve durante 140 anos sobre o domínio português e isso nota-se. Nota-se na paisagem que os portugueses sempre a souberem escolher bela. Oman tem uma das mais bonitas paisagens de todo o médio Oriente por isso é que os nossos antepassados se decidiram a lá irem fazer história. Nota-se na forma como aqueles fortes de Muscat se unem umbilicalmente às pequenas colinas que descem quase despidas e agrestes para o mar e nos deixam adivinhar outras colinas de maior porte, lá a existirem para o interior, mais ou menos de um despido que seria erótico se não fosse provocado por um sol paterno rigoroso e um solo materno de um estéril arenoso. Nota-se, porque a uma paisagem assim, bela, faltava engenho português para a revestir de um verde Minho (sem álcool) e a colocar 3 patamares acima de tudo o resto ali à volta. Faltava ali a criatividade portuguesa, a tuga alquimia que transforma as coisas belas em deslumbrantes, note-se! Não me admiro nada se alguém vier a descobrir que a primeira palmeira foi ali escavada por um português. Não me admiro nadinha! Consigo ver as armadas portuguesas a passarem ao largo, como quem se vai embora sem interesse algum, e o cochicho interno sobre a potencialidade da zona emergir como um brainstorming sem grande algazarra ou tempestade, não duvido também que o conceito de brainstorming tenha surgido a bordo de uma destas estruturas portuguesas, Ora bem, diz o do leme, Aqui está uma terra fantástica para ancorar, enquanto aponta a proa para Muscat na zona mais profunda mas que ao mesmo tempo oferecesse a colina com menos desnível para ali entrar, não fosse a quilha sair quilhada do evento. Para ancorar não meu capitão, aquilo é terrinha para nos entretermos durante algum tempo, só quase precisamos de “cobrir” de verde, tudo o resto parece já ali estar, ajustou o que se encontrava dependurado no mastro.

E assim foi...

Se Beirute nos toma pelos sentidos, Muscat toma-nos pelo pensamento que é feito com memória, como um acumular de dados cuja existência só se manifesta no passado. Assim, com alguma propriedade, podemos dizer que Muscat nos toma pela sua história. Quem diz Muscat, pode mais genericamente dizer Oman, pois todo o país é composto por estruturas que nos trazem à memória os feitos os defeitos e os efeitos do passado.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Troubling


 Mogwai - Travel is Dangerous

Não sei se é para me esquecer ou para me lembrar de que viajo para Riade, o que é certo é que, a cada viagem, acabo por beber um pouco (de) mais.
Desta vez comecei no lounge da Lufthansa e com uma mão cheia de boas intenções, preparando um lache macchiato, pão com compota e duas tigelas de cereais com leite simples. Deixava para trás o sol e a alegria de ser português e nada melhor do que café com leite, que em Portugal se celebra com o nome de galão ou meia-de-leite, directos, para me recordar do facto. Frankfurt, essa Frankfurt sobre quem me quero convencer de que nunca é nem será destino mas meio caminho para outra coisa qualquer, acenou-me a lembrança de que do outro lado estava desta vez, mais uma vez, vezes demais, o deserto de ideias que é a cidade de Riade. Estava quente e bem com todo o frio que fazia lá fora, do outro lado da vidraça. Estava bem porque todas as minhas caminhadas nem são peixe nem são carne, nem são princípio e por princípio não são fim, são sim, como me quero convencer a despeito de Frankfurt, o meio, o temporário, o efémero de alguma coisa que espero nunca venha ou, se vier, venha a acontecer muito tarde porque não me canso de viver neste lugar muito lugar nenhum. Em Frankfurt, como estava a dizer, vejo-me sempre a meio, desta vez, entre o verde do Portugal minhoto e o amarelo árido do deserto Saudita e logo logo, logo que o estômago deu o seu assentimento, passei a uma Becks loiríssima como a mais loira das alemãs acompanhados por uma pasta italianíssima de Frankfurt. Logo logo rejeitei a pasta me dedicar totalmente e de lábios dados com a Becks, mais uma, de similar doirado.
Entrei no avião como se entrasse numa nave espacial de especial com destino a nuvens de algodão doce. A saída de emergência lá me esperava para o característico embate com o João-pestana do arranque ainda com a Becks a dar-me cabo da cabeça como todas as coisas femininas o sabem fazer. Logo logo se seguiu o lanche servido pelas senhoras feias da Lufthansa, diria, se ali naquele voo não houvesse uma bela excepção com um metro e setenta e cinco de altura. Um gin tónico por favor. Bife ou cordeiro disse uma das que não faziam parte da excepção. Detesto cordeiro. E como bebida o que vai detestar, formalizou. Vinho tinto e já agora um copo de água, sem gás. E mais um e mais um e mais um, copos, de vinho. Ao quarto copo decidi ir à casa de banho aliviar a bexiga do copo de água que não parava de me atormentar e tirar alguns apontamentos das expressões das gentes naquele voo.
Chego à conclusão de que já só escrevo em duas situações, ou quando estou bêbado, o que é raro, ou quando estou de regresso a Portugal.
Como dá para ver pela descrição eu não me encontrava a regressar a Portugal.
Um conhaque para rematar, diz um dos comissários de bordo. Sim, para rematar. Era um conhaque dos bons, embora não chegasse aos calcanhares de um Remy Martin.