Já não escrevo como escrevia, Doem-me as costas, estou cansado, cheiro a cebola ou a ajax limão, quando cheiro a cebola não cheiro a ajax limão e quando cheiro a ajax limão não cheiro a cebola, Ando na rua com a roupa vincadinha, duas vezes, dois vincos, nos lugares onde deveria ter apenas um, e ando nela com a confiança de quem quer vender a ideia de que 2 vincos é fashion e as mãos meias gretadas é muito masculino, e, por tudo isto, ou talvez não, deixei de escrever como escrevia, antigamente, Agora, para ocupar os tempos mortos, durmo que bem preciso, Nos tempos mais vivos, cozinho, lavo a loiça, volto a cozinhar para voltar a lavar a loiça, enxugar, colocar no mesmo armário quase na mesma posição, e volto a cozinhar sempre em pé porque sentado ainda me salta azeite a ferver para os olhos, E, quando não cozinho, Quando não cozinho e são horas de expediente, em que se tem que estar a bulir, também não escrevo, ponho a roupa a lavar e é a parte mais fácil dos meus dias, depois vem o difícil, que é passar a ferro, em pé, mais uma vez, numa mesa de jantar, vivendo 15 absortos minutos em cada camisa, porque não se julgue que é fácil fazer dois vincos quase alinhadinhos na mesma manga, e, refira-se até, ser quase um milagre transformar um ninho numa aproximação de camisa, brunida, Estão brunidas como diz a minha mãe, que é uma santa e nunca se queixou de cozinhar, lavar a loiça, enxugar, por a roupa a lavar e a secar, passar a roupa a ferro para quatro maganões, essa mãe que irá fazer o mesmo para as gerações que por aí virão, depois, Depois sigo com as outras obrigações, ou seja, engraxo os sapatos e os dedos, aspiro o chão e passo-me passando-o a pano, nesta pequena casa sem corredores, e, depois de deixar secar durante alguns minutos, estará pronto a ser serventia para o resto do calçado, Cansado, juro que ando cansado, porque um só dia passa e já há cuecas e meias para lavar, o chão já apresenta indícios de pó sempre que o sol entra mais esquinado, os sapatos já precisam de um toque de graxa, não tem graça, cozinha-se, lava-se a loiça, e arruma-se a mesma no mesmo local, e tenta-se encontrar um mecanismo para se pouparem as camisas porque as putas não se engomam sozinhas, e mais um dia e tenho o chão sem corredores para aspirar e passar a pano, novamente, Já nem faço a cama mas também não cismo que alguém ma ande a fazer, porque não tenho tempo nem para cismar nem para escrever.
(Ando a ler o ensaio sobre a lucidez... e dá nisto)
1 comentário:
O outro, sem pontuação, chegou a prémio Nobel! Continua assim e pode ser que lá chegues, mesmo sem escreveres como escrevias.
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