terça-feira, 17 de maio de 2011

Psicologia barata


Há outra fantasia que não me sai da cabeça, porque é fantasia, talvez. Só as coisas que não se têm jamais se conseguem esquecer.

Deve ser fantástica a cena do paciente, da psicóloga, o caos de uma secretária cheia de livros, uns aberto, outros fechados, outros rasurados, outros completamente amarrotados, outros já impregnados de calor e suor, outros ainda por ler, uns óculos desalinhados na ponta do nariz da psicóloga, que tem que ser empinado senão não vale, uma das ligas já ao abandono no chão de pinho, os cabelos loiros fartos que de loiros finos está o mundo cheio, uns sapatos, dois sapatos de salto bem alto, sempre, calçados e que já não tocam o chão, um candeeiro prestes a desfazer-se em pedaços como uma onda de champanhe, e, minutos antes, poucos minutos antes, as formalidades da entrada, as boas noites senhora doutora, as descrições banais, as descrições formais, as descrições de outros caos internos mais caóticos do que aquela secretária que ali existe como um centro de mundo, logo logo os olhos nos olhos, os olhos que se desviam dos olhos, o medo da colisão, o abrir e o fechar de olhos assíncrono a princípio, suavemente síncrono depois, o semicerrar, primeiro dos olhos e depois dos lábios, uma vez, duas vezes, muitas vezes, vezes demais para uma consulta de rotina, a evidência a tornar-se evidente, as palavras a saírem rubras, uma sala de 35 metros quadrados, um jogo jogado em 2 metros de perímetro, que passou a 1 metro e meio após a descrição pormenorizada do primeiro sintoma, logo logo 1 metro, para depois se tornar na distância de um braço feminino, dolorosamente feminino, cinco dedos a repousarem na secretária como quem repousa antes de um grande combate, dez dedos agora, de tonalidades e vibrações diferentes, a misturarem-se, a percorrerem-se devotos, meio metro, 40 centímetros, etc (et caetera porque este jogo é bonito demais para acabar na banalidade dos -18 centímetros) ... e, tudo isto observado pelos olhos de Freud, de um dos retratos presos a uma moldura de uma parede branca do consultório.

Se por cada burca deixada abandonada no soalho é como se se implantasse uma democracia, pode dizer-se, com toda a propriedade, que por cada consulta de psicologia conduzida neste sagrado ambiente é como se se acordasse a mais amigável das ditaduras.
As ditaduras por curtos períodos fazem, do meu ponto de vista, muita falta, mais não seja para nos lembrar o quanto é bom a democracia. A implantação de uma ditadura exige paz; a implantação de uma democracia exige guerra. A ditadura da psicóloga faz falta a qualquer homem, com neurose ou sem neurose, tem é que ser um homem de paz... e amor.
 
 https://www.youtube.com/watch?v=nPYMpX1J2To

7 comentários:

jacklyn disse...

Eu sabia. Eu sabia que devia ter ido comprar tudo ao Ikea. Tu és um perigo pá, fodes tudo. Mobília também :D

Anónimo disse...

Contactei uma linda branca com olhos verdes.Deixaste passar a tua vez.

J. disse...

Wow! Kid, não estou a acreditar! Isto quer dizer o que eu acho que quer dizer?

Anónimo disse...

Lolita!

Anónimo disse...

Demasiado previsível e pouco consistente.

S = Safo

Kid A disse...

Gosto destes comentArios que numa frase, em uma frase apenas, nAo dizem coisa alguma. Provavelmente em duas frases conseguem dizer coisa que valha a energia de coisa alguma. Fica para a prOxima. Fica sempre para a prOxima.

Anónimo disse...

Como diriam os Algarvios "na percebi nada de nada" , Estou out!!!! Sem pena minha. Mas do teu comentário , GOSTEI!!! E o texto claro que adorei, Gosto sempre de te ler. Eh pá quanto à secretária se fosse de vidro era capaz de ser perigoso não? Numa de vidro já vi uma cena que não chegou a tanto talvez porque ela não era nem psicologa nem ditadora :)

Beijo

B.