Estou a tomar o meu café da manhã (tem que ser lido com sotaque
português do Brasil) e a ouvir pessoas a falarem português de Portugal na
esquina. São as mulheres a falarem de compras, de Zaras, de Conforamas, Ikeas,
etc. Assusta-me a forma com que misturam tachos, panelas, armários e artigos de
bricolage para os maridos, com calcinhas, ligas e lingeries de uma forma geral.
Falam do volume de dinheiro gasto em cada uma das lojas, em cada uma das peças,
indo até às centésimas, como se o dinheiro se medisse da mesma forma que se
mede o vinho ou uma parede de betão. Falam de compras em liquidação e dos bons
negócios que fizeram. Sentem-se orgulhosas pela sua esperteza de comprarem aos
melhores preços. Sabem das promoções, uma por uma, conhecem o pormenor de todos
os extras, como se fossem os irritantes catálogos de promoção que diariamente e
de uma forma abusiva nos deixam nas caixas do correio. Ainda não as vi mas
pelas vozes imagino-as gordas, com os cabelos acastanhados mal tratados, as
mãos do trabalho, fios de ouro ao pescoço, ou talvez não. Talvez os cabelos
estejam tratados mas tratados de um mau gosto, o mau gosto que caracteriza
algumas mulheres portuguesas e as cabeleireiras que as consultam. Talvez, mais
uma vez, a minha imaginação não faça jus ao que a realidade me vai oferecer. É
a minha criatividade que se manifesta sempre em sol, menor, sustenido, quando a
natureza nos oferece a vida sempre em sol maior, em todos os seus decisivos
momentos, no princípio, no meio, e no fim. Devem ter cinquentas mas por serem
gordas vão-me parecer setentas. A pele poderá ser curtida pelo tempo e pelo
sol, não o sol helvético que é suave no verão e fechado em copas no inverno,
mas pelo sol tuga, rigoroso e húmido, a combinação mais que perfeita nas artes
da curtição. O tempo que lhes torna a pele curtida, ou, refraseando, a sua pele
curtida pelo tempo, também não o é pela relatividade do tempo suíço, ainda que
esta ideia de relatividade tenha surgido na cabeça de Einstein aqui, algures
escondido em algum albergue no meio das neves brancas. O tempo que as curtiu
foi também o tempo português, que passa mais rápido, muito mais rápido. Aliás,
não são os portugueses que chegam atrasados a tudo, o tempo é que não lhes dá
tempo de chegarem a tempo, e isso só acontece em Portugal. Aqui eles chegam
sempre a tempo porque o tempo passa devagarinho, com calma, com planeamento ao
segundo. Parece que cada segundo pede por favor ao seu antecessor para se
manifestar. Isto requer tempo. Isto dá tempo para tudo acontecer num tempo
determinado. As senhoras gordas e curtidas lá continuam os seus diálogos. Não.
Espera. A primeira acabou de sair da esquina. É loira e isso já mandou pela
sarjeta toda a minha esconjuração. É gorda mas isso é só um ponto a favor da
minha teoria. Não é feia nem curtida pelo tempo, A pele é branca. Usa uns
óculos que lhe dão um ar intelectual. Não é feia. Aliás, é até bonita. Tem um
sorriso bonito em todas as direcções, e é por isso que digo que é simpática, o
que é uma antítese da ideia que tenho das mulheres portuguesas. A parte do ser
forte, fisicamente, apenas lhe dá margem de manobra para melhorar.
domingo, 29 de abril de 2012
sábado, 7 de abril de 2012
Por quem me tomam
Em viagem, desta vez com a Swiss air, de Genebra para Madrid, onde se falava maioritariamente francês, espanhol, alemão, e inglês, provavelmente pela mesma ordem de importância, tive a oportunidade de avaliar, ou pelo menos pensava eu, e de calibrar, mais uma vez, qual a visão que os outros têm de mim, qual a minha aparência para as outras pessoas, enfim, por quem os outros me tomam, se é que alguém tome alguma vez alguém. Enquanto nos voos da Lufthansa é normal as hospedeiras e os comissários de bordo, e, já agora, julgo oportuno deixar bem claro que não entendo esta descriminação, pois enquanto Comissário de Bordo dá ares de corpo militar ou diplomático, hospedeira só me faz lembrar as gripes e todas as outras doenças que como os piolhos e as lêndeas precisam de um corpo, ou, mais genericamente conhecido, de um hospedeiro, para se propagarem, não entendo, dizia, esta mais que evidente descriminação sexual, que vou deixar passar em branco por agora pois será pano para muitas mandas numa outra altura mais apropriada, então, o que eu estava mesmo a dizer era que os assistentes de bordo da Lufthansa se dirigem a mim, normalmente, em alemão, o que não deixa de ser normal uma vez que viajo de Portugal para a Alemanha, ou vice-versa, e então o facto não indicia que eu pareço ao olhos das outras pessoas um alemão. Quando se me dirigem em inglês, também não significa grande coisa, isto é, não faz se mim um britânico ou um americano, pois, normalmente, os assistentes de bordo da Lufthansa não falam português e então o segundo idioma que lhes está na ponta da língua é o inglês. Mesmo que eu fosse muito português, fisionomicamente, não queria ainda assim dizer que eles fizessem de mim um português só porque que se dirigiram na língua oficial mundial. Lembro-me agora que no brasil as hospedeiras se chamam de aeromoças, que lhes dá um ar de cabeça no ar mas que ainda assim é bem melhor do que de corpo hospedeiro. Então, este voo da swiss air, pensava eu, iria tirar a limpo qual a imagem que passo para o mundo. Como vinha de Genebra tentaram a interacção em francês que não resultou muito bem pois eu respondi em inglês, ao que eles, talvez para demonstrarem que também eram capazes, continuaram em espanhol, ao que eu continuei a responder em inglês. Por fim, lá ficou determinado que o nosso voo, pelo menos o que ao meu espaço dizia respeito, seria todo ditado em inglês. Ora, a grande espectativa criada a princípio, para esclarecer o assunto “por quem as pessoas me tomam” foi logo pela água abaixo. Ou seja quando viajo da Suíça para Espanha, tanto passo por um suíço como por um espanhol, e vá lá o diabo e escolha, da mesma forma que quando viajo da Alemanha para Portugal tanto posso ser alemão como português. Há poucas coisas melhores no mundo do que esta leveza de não sermos nem muito salgados nem muito insossos.
Termino como Antonio Gedeão: Minha aldeia é todo o mundo.
Todo o mundo me pertence.
Aqui me encontro e confundo
com gente de todo o mundo
que a todo o mundo pertence.
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