Primeiro pensei para com os meus botões que, ali, em Petra, Jordânia, só os tinha na calças de ganga Salsa, talvez se vivesse no meio deserto como eles, sem o mar frio de azul de Portugal ou a verdejante montanha do Gerês, ali, naquele lugar onde as plantas se matam para sobreviverem, ali, se ali vivesse, talvez como eles me virasse a escavar as pedras arenosas com um pau, com um simples osso de um ser outrora complexo, com unhas e dentes, por puro entretimento, para que os dias passassem mais rápido, para que o sol se escondesse e se recusasse a levantar com medo de ver as vergonhas que durante os meus dias tinha inscrito nas paredes para sempre. Como estava a dizer, se ali em Petra vivesse, também esgravataria as paredes com a raiva de quem não tem o prazer de ver o florir espontâneo do lilás, do vermelho, do rosa, do azul, do verde, do laranja, pensei, para com os meus botões. Depois, uns dois quilómetros mais à frente, quando cheguei a Al-Khazneh, o tesouro de Petra, vi que ali se fez muito mais do que passar tempo, muito mais do que entretimento, ali fez-se arte, escultura, literatura, arquitectura e poesia, em pedra, mole, é certo, mas pedra, para todo o sempre.
Juntei-me a um grupo daqueles com Guia para não entrar em branco em tão rico espaço. Ainda mal tinha dado dois passos e ouvi as palavras “que cheiro!”. Alto! pensei, há aqui portugueses na molhada. Porquê? Porque “que cheiro”, com aquela entoação de Lisboa, só existe em português, e nem os espanhóis o conseguem imitar. Cheirei-me e ainda não cheirava a cavalo. É portuguesa, perguntei. Sou sim, respondeu. É brasileiro? Uma pessoa não se pode dar ao luxo de ser alto e ter sotaque de Guimarães, e deixa logo de ser português. Não, respondo, sou português de Guimarães. A Ana Paula, que, como boa portuguesa, fazia tudo para trocar as voltas ao guia, lá se apresentou e lá me foi explicando, ela por ela, tintim por tintim, a circunstância de ali nos encontrarmos. Cheguei a acompanhar o grupo por uma boa hora, até que, por entre informações históricas decoradas, o guia me desiludiu sem retorno, com “aqui, no parque, temos 194 cavalos, 383 burros e 231 camelos ao serviço dos visitantes. Saí imediatamente dali. Como poderia ele saber que entretanto não teria dado um chilique a uma das águas debaixo daquele sol ardente!? Saí rápido porque estava com receio que ele arriscasse o ridículo de dizer quantas unhas se partiram a escavar, por exemplo, a Tumba do Palácio. Segui sozinho e não me arrependi, mas fiquei consciente de que há viagem que não se devem fazer sozinho, por meras questões logísticas. Petra é uma delas. Quantas vezes perdi um bom momento por não ter a quem pedir para me tirar uma foto ou, porque ali não se encontrava uma pedra para poisar a câmara em posição de disparo automático?
No meio da viagem, ali algures onde os monumentos gregos começam (Qasr al-Bint), por volta das duas e um quarto da tarde, hora da reza na Jordânia, comecei a ouvir entoações vindas das montanhas de pedra. Não gosto das rezas árabes, rais me partam! São uma espécie de choro de quem acabou de descobrir que a razão da existência não tem razão nenhuma, e muito menos devoção, apenas ocasião e acaso. Segui em frente e fui vendo tumbas de que já nem me lembro do nome, passei pelo Teatro (soberbo) e pela rua das colunas (alinhadas e com uma imponência relativa), e comecei a subida que haveria de me tomar mais uma hora para chegar ao lugar do Sacrifício. A viagem de regresso fez-se com a pressa de quem tem calos nos pés e de quem precisa urgentemente de repor as águas transpiradas no nível certo. Eram 5 da tarde e, mais morto que vivo, estava a caminho do Mar Morto, para o que desse e viesse. Para trás ficaram 5 horas de memórias e deslumbre pelo que o ser humano, quando quer, consegue criar.
3 comentários:
Então mas agora tenho que pedir autorização para ler este blog???
Pois bem puto, esta coisa de ter de inscrever para te ler é uma coisa que me dá demasiado trabalho...Vou pensar bem no teu caso. É pena porque até gostava de "espreitar", mas como já disse a paciência ( que não é proporcional à idade, mas que diminui por isso mesmo)já não abunda. E tu estás a ficar muito exigente. Desculpa mas não se age assim com os Amigos. Não me parece que as Lolitas te tenham chateado muito, antes pelo contrário o blog está tão calminho.O que te deu?lol
B.
Pronto pá, finalmente! Não te esqueceste de exigir foto à entrada pois não? Se precisares de ajuda para seleccionar as gajas boas apita, os amigos são para essas coisas. Eu levo o gin, ok?
Puto, não te falta nada. E à falta de Lolitas, não desesperes porque tens sempre o Amigo J.Os verdadeiros Amigos estão sempre presentes e disponiveis para o que der e vier.Bonitos pedregulhos nas tuas fotos.
B.
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