domingo, 8 de novembro de 2009

Prozac

João Pereira Coutinho diz, Não admira que, até 2020, um terço da população mundial esteja a mamar forte no Prozac. É a velha história da cenoura e do burro: quanto mais temos, mais queremos, E referia-se às crianças que, hoje em dia, são criadas como potros numa pista de competição. E não me admira nada a mim! Se olharmos, e não precisamos de ir muito longe, para os fluxos humanos em Portugal, eles, que aparentam ser diversos e visarem direcções completamente oblíquas, seguem afinal princípios comuns e, fatalidade das fatalidades, acabarão, todos, nesse lugar onde se mama forte no prozac. Porquê? Porque a necessidade é sempre a mesma e a ambição é sempre desmedida. O querer ter mais do que… Sendo o “do que” ainda mais fatal e condicionador do que o “querer ter mais”.
Primeiro compra-se uma alta-fidelidade porque o rádio da casa dos pais faz um barulho estridente, brinca-se com ela até à exaustão e até ao ponto em que o som, só por si, passa a não chegar, e vem a televisão, enorme, que se liga à alta-fidelidade e se obtém, quase, um ambiente de cinema. E pensamos que atingimos já, aos 26 28 anos, a máxima satisfação e realização que a sociedade exige ao ser humano, porque nenhum vizinho consegue igualar em som aquilo que dentro do quarto possuímos, mas, de repente, começamos a sentir que o quarto na casa dos pais é pequeno para tão grande ambiente cinematográfico e começamos a procurar uma casa para colocar a alta-fidelidade e a televisão. E chegamos à conclusão que esse espaço cinematográfico só se consegue com a entrada de um sócio, e começamos a namorar mais a sério o negócio. E a natureza oferece-nos sempre o que procuramos e então encontramos o tal sócio com gostos e conhecimentos idênticos. E casamos em favor da cinemateca que entretanto vamos mudando para o novo espaço. Então, agora que o público é o dobro do que era inicialmente na casa dos pais, o cinema começa a ficar ultrapassado e com o que se conseguiu juntar de um casamento, renova-se o material, para melhor, muito melhor, a televisão passa a ser um plasma 2 por 2 e o som, estéreo, já funciona sem fios. E pensamos mais uma vez que agora sim, que agora estamos naquele ponto muito perto da perfeição, e passamos fins-de-semana infindáveis a ver todos os filmes que há para ver e a ouvir todas as músicas que há para ouvir, sentados num mesmo sofá, ainda agarradinhos. Passa um ano, às vezes 2, até que o “agarradinhos” começa a dar lugar àquele desconforto provocado por aquilo que os ingleses chamam de booring e nós chamamos de seca. Aquele ambiente que era perfeito porque era completo e porque ninguém na vizinhança tinha conseguido fazer melhor, começa a dar lugar ao desconforto do falta qualquer coisa neste silêncio de cinemateca e nestas nossa conversas de mudos. E então, quando já não há mais para inovar, quanto toda tecnologia atingiu o limite, começa a pensar-se ter um filho para preencher o vazio que a alta-fidelidade já não consegue preencher. E então vem o filho, a mais singela extensão biológica da alta-fidelidade, e, como antes, também agora e depois, essa renovação da alta-fidelidade, essa extensão, esse filho, tem que ser melhor do que tudo o que há no bairro. E esses pais mentalizam-se disso e começam a investir na alta-fidelidade agora meio por meio electrónica e biológica, a tentar aperfeiçoar-lhe as áreas que, para eles, devem ser aperfeiçoadas. E temos esta geração de vivos mortos que nascem já frustrados por falharem nas áreas em que os pais queriam que eles triunfassem. Daqui a 20 anos estaremos todos a mamar forte no prozac, para esquecer a frustração, uns de não terem conseguido ser a alta-fidelidade em que os papás investiram, outros, os papás, por não conseguirem criar a melhor alta-fidelidade do bairro.
Eu pensarei sempre duas vezes se realmente quero ter uma alta-fidelidade lá em casa.

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